Juíza comenta decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS/Cofins

6436

*Por Ana Paula Bismara Gomes

Em sessão do dia 15 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos (6 votos favoráveis ao contribuinte contra 4 votos desfavoráveis), pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS. O tema não é novo e há tempos aguardávamos uma solução definitiva desta demanda. Para avaliar os impactos desta decisão, é preciso compreender como é feita a tributação das contribuições sociais.

As contribuições ao PIS e à COFINS incidem sobre a “receita” ou o “faturamento”, termos expressos no artigo 195, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal. Em resumo, diz a Constituição Federal: A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes (…) das seguintes contribuições sociais (…) da empresa, incidentes sobre (…)a receita ou o faturamento. Pois bem.

Com efeito, na formação do preço de venda de uma mercadoria, o vendedor deve embutir o ICMS, na qualidade de “tributo indireto”. Sempre que a operação está submetida à incidência do ICMS, este valor deve ser embutido no preço da mercadoria, implicando no aumento do valor a ser cobrado do adquirente.

Ocorre que, ao proceder desta forma, por determinação legal (a legislação estadual, em regra, determina a inclusão do ICMS no valor da operação), o contribuinte passa a “cobrar” do destinatário algo que não é seu, que não representa, efetivamente, receita que será auferida pelo estabelecimento vendedor. Representa, por outro lado, parcela do tributo estadual, que será cobrado do adquirente (por meio do preço do produto), e na sequência, será repassado ao Estado. O contribuinte vendedor cobra, na verdade, receita que não é sua, mas sim do ESTADO.

Ao refletir sobre este contexto, os Ministros da Suprema Corte delinearam o conceito dos termos “receita” e “faturamento” para, ao final, decidir, por maioria de votos, que o ICMS (tributo indireto que compôs o preço) seja excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, por não ser considerado receita ou faturamento do próprio vendedor, mas sim do Ente da Federação “ESTADO”, ao qual será repassada a referida parcela.

Em precedente anterior do STF, no RE nº 240.785, o Ministro Marco Aurélio, relator do processo, já teria afirmado: “se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria” (…) “O valor correspondente ao ICMS não tem natureza de faturamento. Não pode, então, servir à incidência da COFINS”.

No precedente atual (RE nº 574.706), julgado no último dia 15 de março de 2017, a Ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, entendeu de maneira favorável aos contribuintes, pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, afirmando que a parcela do tributo estadual representa apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser totalmente repassado ao fisco estadual, e, neste sentido, não pode ser considerado “receita” ou “faturamento” da empresa. Votaram a favor do contribuinte os seguintes Ministros: Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Votaram pela divergência: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Quais são os reflexos desta decisão?

Considerando que foi reconhecida “repercussão geral” neste precedente, a decisão no RE nº 574.706 afetará cerca de 10 mil processos sobrestados nas instâncias inferiores, os quais aguardavam a definição da matéria no âmbito do STF. Todos estes processos serão julgados de acordo com a definição pela inconstitucionalidade, reconhecida por maioria no STF. É preciso entrar com ação judicial? Se sim, ainda existe prazo para entrar com a ação?

Todo contribuinte de PIS e de COFINS, que também sofra incidência do tributo estadual, está apto para ingressar com a ação judicial. Como regra, não há prazo para ingresso com a ação no Poder Judiciário. A legislação ordinária não foi alterada, de forma que, mesmo com a decisão recente do STF favorável aos contribuintes, é necessário ingressar com a ação judicial (em regra, Mandado de Segurança) para deixar de recolher o PIS e a COFINS sobre a parcela do ICMS embutida no preço da mercadoria.

Não há prazo limite para que se ingresse com a ação judicial pleiteando o não pagamento do PIS COFINS sobre as parcelas do ICMS. Ocorre que existe grande preocupação com relação à restituição e/ou compensação do que foi pago a maior nos últimos 05 anos.

É certo que a decisão recente do STF afetará consideravelmente a arrecadação da União. Fala-se em um impacto de 20 bilhões no orçamento anual, sem contar os pedidos de restituição e/ou compensação. Sempre que há relevante impacto econômico, decorrente da decisão judicial, existe a possibilidade de “modular efeitos”, o que significa, de maneira singela, alterar os efeitos da decisão, restringindo-os a apenas parte do período de vigência da “inconstitucionalidade”.

Neste sentido, no caso de uma eventual – e muito provável – modulação de efeitos, teremos a seguinte situação:

– Quem já ajuizou a ação, poderá restituir o que pagou a maior nos últimos 05 anos e poderá deixar de pagar para o futuro;

– Quem ainda não ajuizou a ação, precisará ajuizá-la para não pagar sobre receitas futuras, mas, não poderá restituir o valor pago a maior nos últimos 05 anos, em virtude da “modulação” dos efeitos.

Por esta razão, fala-se com tanta ênfase de um “prazo” para distribuição destas ações judiciais. A preocupação justifica-se na medida em que a modulação dos efeitos restringirá o direito dos contribuintes que não ingressaram com ação ainda, impedindo a restituição dos valores pagos a maior nos últimos 5 anos. Entretanto, é importante deixar claro que o contribuinte não “perde o direito” de ingressar judicialmente. Este direito de ação permanece garantido, a qualquer tempo.

Reflexos sobre os créditos de PIS e de COFINS

No precedente recente – RE nº 574.706 – não foram discutidos os reflexos sobre o custo de aquisição de insumos ou de bens para revenda, a fim de avaliar eventuais reduções na possibilidade de crédito. É preciso ter em mente que o direito ao crédito vinculado à não cumulatividade do PIS COFINS não nasce do valor pago pelo fornecedor (como ocorre com o ICMS, no qual o destaque no documento fiscal é o fato que confere direito ao crédito pelo adquirente). Com relação ao PIS e à COFINS, o direito ao crédito nasce dentro do próprio adquirente, segundo o seu próprio regime de apuração, no caso, não cumulativo. Independe, portanto, do valor efetivamente pago pelo fornecedor que pode, como já reconhecido pela Fazenda Nacional, ser optante pelo SIMPLES NACIONAL (alíquotas simplificadas e menores) ou do lucro presumido (PIS 0,65% e COFINS 3,0%) e gerarão crédito, ao adquirente do regime não cumulativo, nos percentuais de 1,65% e 7,60%. Portanto, o fornecedor paga bem menos do que o crédito que é gerado ao adquirente. Este fato, já aceito e reconhecido pela Fazenda Nacional, demonstra que o crédito nasce no próprio adquirente, independentemente do valor efetivamente pago pelo fornecedor. Daí que, se o fornecedor possui ou não possui ação judicial em andamento, paga mais ou menos PIS e COFINS, este fato não altera o direito do adquirente ao crédito, calculado sobre o valor do custo de aquisição do insumo ou da mercadoria da revenda. A meu ver, portanto, neste momento, não há qualquer alteração que implique em diminuição dos créditos apropriáveis. Acredito que futuramente a legislação ordinária será alterada para ajustar o crédito ao mesmo conceito que está sendo utilizado para débitos sobre receitas.

Reflexos sobre o Imposto sobre Serviços

Por analogia à decisão recente do STF, o ISSQN, também considerado “tributo indireto”, é repassado ao consumidor final por meio de sua inclusão no preço do serviço. Neste sentido, em referência às palavras do Ministro Marco Aurélio, pode-se concluir que se alguém fatura ISSQN, esse alguém é o Município e não o vendedor da mercadoria; o valor correspondente ao ISSQN não tem natureza de faturamento e não poderia, portanto, servir à incidência do PIS e da COFINS. A decisão recente não trata especificamente do ISSQN, mas, traz um conceito de “receita” ou “faturamento” que é aplicável, inclusive, aos prestadores de serviço.

Feitas estas considerações, entendemos que a decisão recente – RE nº 574.706 – representa um enorme ganho aos contribuintes. Apesar do grande reflexo econômico, a Suprema Corte decidiu sem deixar que o impacto econômico conduzisse o raciocínio jurídico do litígio.

Possivelmente, e é o que se vislumbra, o Governo modificará o regime de apuração e de alíquotas do PIS COFINS (a exemplo da iminente e tão falada Reforma Tributária – MP 694/15), para garantir que a arrecadação seja mantida e que a perda gerada pelo precedente favorável aos contribuintes seja ao menos compensada, fato que implicará, muito provavelmente, no aumento da carga tributária para as empresas nos próximos meses.

Este aumento, por si só, justifica a busca pelo Poder Judiciário, para que se obtenha decisão favorável ao não pagamento do PIS COFINS sobre a parcela do ICMS, bem como para que se restitua o valor pago a maior nos últimos 05 anos, “ganhando” um fôlego para suportar o aumento da carga tributária que muito provavelmente sobrevirá.

Ana Paula Bismara Gomes é Advogada Tributarista; Sócia do BLZ Sociedade de Advogados; Mestre em Direito Tributário; Juíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo; e Professora em cursos de graduação e pós-graduação.

 

* É permitida a reprodução parcial ou total deste material, desde que citada a fonte com link.

Comentários

Comentários